Os passos que ficaram para trás retornam incansavelmente todas as manhãs à porta do meu castelo de areia. Eles trazem bagagens junto de si, pedaços de personalidade que insistem em assombrar-me por afetos e desafetos. Intoxicado pela memória que dilacera minha atenção presente, resta render-me aos encantos dos fatos transcendentes: maldita intocabilidade que lhes garante roupagem original, sem o futuro-presente retoque do arrependimento – do suposto perdão.
Às tontas, debato-me na inexistente fuga desta dor: hora tão prazerosa, hora tão cancerígena. Meus ossos saltam para fora de meu corpo e fogem amedrontados. Neste rastro de desespero, fuligens de cálcio dissipam-se ao vento, e a viscosidade de meu tutano escorre sobre estradas e calçadas. Onde pés anônimos, sem alguma pretensão, arrastam minhas glórias e vergonhas pelas estradas de suas próprias vidas.
Com perspicácia, as experiências retornam trajadas de bruxas e princesas.
No olhar perdido, nos lábios ressequidos, no fluxo frenético sanguíneo, memórias que assaltam e levam para longe a razão, a sobriedade. Nem mesmo o clássico balé atemporal do tempo consegue romper as ataduras desta incansável tirania. Ela trafega pela contramão na rodovia do passado: de casa em casa, de coração em coração.
Um casamento que a morte não traga por completo. Da sepultura emergirão sorrisos, abraços, perseverança, histórias, sonhos inacabados. A morte lhe coroa de formosura e lhe perfuma de recordações. No rodalho póstumo, segue dando forma ao barro que ao pó já retornou. Extrai, da sequidão das almas, as raríssimas lágrimas; são primícias de um caráter oculto.
Sorrindo despreza ditados e sufoca doutrinas intocáveis; ruge em suas próprias leis.
Os amantes... Os eternos: buscam-na em todas as praças e esquinas das cidades. Os poetas... Os de pé: repousam em seus braços de dia e de noite e deliciam-se em seus fartos seios durante toda a sua inspiração. Em berço de ouro, em cama de palha; em descanso, em fatiga. Sua presença atrai riso e choro; amor e ódio; cura e doença; vida e morte. Dos céus desce bem trajada. Do inferno surge maltrapilha. É adoravelmente santa, é detestavelmente profana: é saudade!
2 comentários:
ARREPIOU!
Parabéns por escrever com a alma :)
Gi!
Valeu Gi!
Obrigado pela sua ilustríssima visita a este BLOG.
Um abraço!
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