"Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente" (Clarice Lispector).







quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Contigências

Na manhã,
o sol escaldante rompe o
suspiro criativo do ser. O mesmo sol
que precede a tarde chuvosa, de
lágrima intensa e lamuriosa. O ser
calado clausura a ânsia em seu peito:

- Deus onde estás?

A rosa traz consigo a alegria em
belo adorno vermelho - a cor do amor.
O que diz do pecado: ainda não vivera do amor.
Da rosa, os espinhos que antecedem o ardume
do ferimento. Da ruptura emergem lágrimas
sangrentas - o sofrimento do amor. O ser
calado clausura a ânsia em seu peito:

- Deus! Ainda assim, obrigado pela vida!

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Cruz

Esta sim, tornou-se a propiciação dos desejos desenfreados dos homens. A luz para os que buscam a felicidade material. A resenha dos sonhos ufanistas, daqueles que ousam em sonhar alto, muito alto. O emblema da felicidade autêntica, da felicidade instantânea. O escudo que dilacera os inimigos. O amuleto das finanças seguras. A proteção dos pescoços desavisados. O esconderijo dos pecados dos pecadores não arrependidos.

Das várias formas que se deu a ela, a sua essência se perdeu. A cruz está alegórica e já não possui literalidade. Para onde foi o seu escândalo? O cálice tão pesado a Jesus, tornou-se símbolo benévolo de uma sociedade triunfalista que determina sobre as chagas do Cristo crucificado as suas bênçãos. Esta cruz antes tão odiada e rejeitada, agora, tão desejada e idolatrada. Constantinos ainda emergem da imortal religiosidade bradando: “Por este sinal venceremos! A tudo e a todos”. Não há mais quem se envergonhe, não há quem seja perseguido. A mensagem do calvário fora dilacerada pelo pragmatismo gospel e pela excentricidade da sociedade “cristã” ante ao Evangelho.

Recebe-se Cristo, porém, ignora-se a cruz da ignomínia. Ouvem-se gritos: “Queremos Cristo!”; porém, ouvem-se lamúrias: “Mas, não a Sua cruz!”. Logo, ouve-se uma solução funesta: “Aqui existe um Cristo sem cruz!”.

Em meio ao desprezo do discipulado da cruz de Cristo. Em meio à tentação de abandoná-la, surge um grito da reforma, um eco de suas teses[1], sobre uma geração que desconhece o valor e peso do discipulado da cruz. “Portanto, fora com todos esses profetas que dizem ao povo de Cristo “Paz, paz!” sem que haja paz!”[2]; “Que prosperem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo “Cruz! Cruz!” sem que haja cruz!”[3].

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[1] As 95 teses de Lutero na Reforma Protestante.
[2] Tese nº 92.
[3] Tese nº 93.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Lei e vida

Contam lá uma história
de um religioso fervoroso em seus deveres.
Filactério no braço e finais de semana,
[na testa.
Lia-se em graves letras: NÃO MENTIRÁS.
Um companheiro de passagem, judeuzinho, franzino,
barba feita, contava a história de uma quase mortal
visita de um enrugado nazista em sua casa,
em meados de 1942.
Ainda hoje,
suas palavras repetiam-se em mesmo tom da resposta
dada a funesta visita:
- Mamãe não está!
Ainda mais o religioso apertava suas fitas em seu braço, recitando:
[NÃO MENTIRÁS.
Cravando a caixinha em sua pele avermelhada,
mordia os lábios e torcia com força,
na busca de não torna-se um mero
[franzino pelado judeuzinho.
De passagem,
ao contar a sua conhecida história,
debandava ao cemitério; sua mamãe
havia falecida pouco mais de um ano.
- Lírios eram suas flores; brancas como sua pele;
perfumadas como seus abraços.
Em seus olhos, fronte a lápide,
as lembranças emergiam posteriores aquela visita.
Balbuciando recitava:
- Agora sim, mamãe não está!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Uma confissão

A fraqueza me assusta. Bem no fundo... a sociedade religiosa me assusta. A fraqueza é inata a minha natureza e por demais conhecida por meus membros. Não há escapatória para a minha razão. Do que adiantaria gritar: sou forte! Pois, minhas mãos esticam-se em busca de impurezas, meus pés correm ao desfiladeiro dos perdidos, meus pensamentos secretos deflagram meu coração corrompido.

As minhas necessidades desfalecem meus joelhos; trêmulos eles se dobram ante meu limite. A angustia suga minhas forças, as que ainda me restam. O clero intolerante me ignora. Esta é minha cicatriz aberta. O sistema eclesiástico varre feito rodo os pequenos debilitados e improdutivos para a engrenagem do legalismo ferrenho.

Sigo tímido, calado.

Confessar minhas fraquezas torna-me réu público. Por certo, meus olhos serão perfurados, minhas mãos amordaçadas e meus pés acorrentados. Em cárcere: serei vilão, imundo, indigno e solitário.

Do que ainda me resta...

Na prisão do gélido amor, entre as grades do farisaísmo religioso, em frente a fétida janela da falsa perfeição humana, gritarei: Sinto prazer em minhas fraquezas! Que o Vento incontido sopre e leve para longe a resposta de meus gritos. Que todos os ouvidos deste mundo possam ouvir o sussurro do Eterno que, suavemente, acaricia minha alma dizendo: a minha graça te basta!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Da amizade

Amigo é âncora em mar revolto; é bálsamo para as maiores dores e cólicas existenciais. O verdadeiro amigo não necessita falar, gesticular ou abraçar. Apenas a sua presença preenche todo o silêncio causado pela falta de lamentação ou alegria. Um simples almoço com o seco ruído dos talheres, faz deste almoço um refúgio; a verdadeira amizade tem esta capacidade.

Abraão o amigo de Deus. Sua confiança lhe foi imputada como justiça e como amizade verdadeira. O amigo é verdadeiro e profundamente cúmplice: dos erros e acertos. A amizade rompe com a barreira da vaidade. A vaidade de ser aceito e bem quisto. A vaidade da vanglória, dos pódios e das declarações demagogas. O verdadeiro amigo não saberia soletrar vaidade; tal palavra foge ao seu conhecimento.

Nas montanhas da vitória, o amigo se faz presente e ausente, pois respeita o limite e sabe muito bem que dois corpos não ocupam o mesmo espaço. No vales das derrotas, o amigo aspira companheirismo e solitude; a verdadeira amizade sabe a hora “off”, o momento “zen”; no Getsêmani, por um momento, por amor: ausente-se de corpo. Porém, na descida, logo retorna aos braços agonizantes da aflição compartilhada do amigo.

O verdadeiro amigo sabe a hora, conhece os passos, percebe os aromas e liga os momentos. Contudo, acima de tudo, o amigo vence a sua própria vaidade. Na cumplicidade do coração, o amigo expurga a vaidade e esquece de sua existência. Amigo que é amigo é amigo até debaixo da água: doce ou amarga.

A vaidade?

Nunca ouvi falar!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

... minha proposta

Permita-me ousar todos os meus conceitos e preconceitos. Esboçar minhas razões de uma vida pouco vivida. Enlouqueço só em pensar de parar com os textos, em silenciar minha voz traçada, pintada, lida - talvez - relida.

Meu ímpeto é de um aventureiro que busca encontrar um atracadouro seguro, perto de águas mansas e brisa suave; daquela que é incapaz de levar para longe a vida que pulsa em meu peito.

Minhas perícopes borbulham acidez, suavidade, amor, carinho, ódio, paixão... lucidez e coragem fazem coro ao meu dia a dia. Assim como minha filha que não entrega a brincadeira pelo sono, desejo não entregar minha escrita à covardia.

Busco um lugar onde as palavras falem por mim, onde minha escrita revele meu interior sagrado e profano. Percorro este caminho, sinto a proposta a mim apresentada e não desejo mais fugir. Espero que a poesia esteja ao meu lado; careço dela – desejo sua companhia.

Minha proposta ainda respira: uma busca... um sentido... uma visão... algumas idéias.

Enfim... voltei!