"Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente" (Clarice Lispector).







segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Provérbios capítulo 18 versículo 24

No templo,
sentam-se: irmão e amigo.
Não ore a prece antes desta
divina revelação: irmão ou amigo.
Ouvindo-o, o amigo, lhe presenteara de
amor e misericórdia divina.
Silencie as balbucias paroquiais,
as mais baixas – da intimidade.
Repare a irmandade,
onde a religião tem regido as relações:
Pedra, pau e fogo.
Em nome de Deus.
Amém!

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A rua da minha saudade

Revi, senti, e vivi. O passado intocável que traz aos olhos a primícia das lágrimas. Novamente pisei sobre o solo sagrado de minha infância que, outrora, meus pequenos pés correram, escorregam, toparam. Suspirei profundamente para buscar o frescor da mata serrada, cortada, esmagada pelos passos afoitos daqueles que brincavam como se as horas não existissem. Vieram à tona as alegrias de minha tenra idade: os muros, as casas, as árvores, a rua.

Lembrei-me das goiabeiras lotadas de seus suculentos frutos avermelhados que, como quem acenasse, convidava todos para uma empolgante reunião pendurados em seus longos galhos. Lembrei-me do assombroso bambuzal ao lado da rodovia, o qual crescia vertiginosamente ao som dos muitos carros, motos e caminhões. Lembrei-me do puçá, da vara, da tarrafa que, jogada às águas barrentas do riozinho, esperava por mais uma pobre e atordoada Traíra. Lembrei-me do campinho, o palco dos clássicos, dos chutes, das cabeçadas, e claro, dos tapas e arranhões. Lembrei-me do trepidar da lenha na fogueira inflamada com o mais alto fogo; fogo que aquecia e abraçava a todos nas noites frias de São João.

Meus olhos brilham e meu coração enfraquece ao revisitar momentos intocáveis como estes.

O mesmo pó que pairava sob a frenética corrida de bicicletas, ao ensurdecedor barulho de tampas de margarinas em suas rodas, ainda hoje, mancham portas, janelas, e portões. Lembrei-me das partidas de futebol, disputadas com suas respectivas traves feitas com chinelos havaianas desgastados. Descalços, em meio a cacos e pedras, a alegria inundava toda vizinhança. Os portões e muros tornavam-se arquibancadas, onde os curiosos pais, mães, tios e tias, apreciavam nossas jogadas. E nós, os meninos sem vanglórias e prepotências; com camisa ou sem camisa, suávamos em busca dos aplausos bajuladores daqueles que nos assistiam; pudera eu voltar no tempo.

Se houvesse possibilidade, pediria este presente a Deus: voltar e rever meus amigos, ainda pequenos, na rua da minha saudade, na estação da minha infância, na sublime e leve vida de menino. Vestiria novamente minha bermuda, meu boné, meu kichute. Berraria novamente o nome de todos os meus amigos em seus respectivos portões, anunciando a brincadeira do dia. Subiria novamente em minha pequena bicicleta vermelha, e com meus lábios, balbuciaria arrancadas, freadas, buzinadas e emoções:

- ACELEEEERA AYRTON!

Repetiria tudo de novo. Brigaria novamente e fugiria novamente, tendo a certeza que o sono noturno levaria para longe toda e qualquer raiva de nossos corações. Pela manhã, nossa amizade continuaria a mesma.

As profundas e irreparáveis cicatrizes de minha infância, ainda inflamam de saudade de todos aqueles pequenos. Em meio às dores destas lembranças, flambado em mornas lágrimas, compreendo e aprecio as palavras do saudosista cantor que, ao som de sua chorosa viola, poetiza: “A saudade é uma estrada longa / que começa e não tem mais fim / suas léguas dão volta ao mundo / mas não voltam por onde vim / A saudade é uma estrada longa / que hoje passa dentro de mim / me armei só de esperança / mas usei balas de festim.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

... toque em frente

Almir Sater: Tocando em frente

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Inquietação

O Espírito me sonda e revela.

Meus olhos estão ressequidos, minhas pálpebras insistem em não trabalhar; este recesso me causa cegueira.

Meus lábios pálidos e trêmulos, escondem verdades que inflamam minha língua.

Meus dentes cerrados aprisionam a mais feroz de todas as feras, a mais indomável de todas as serpentes, a menor de todas as flamejantes fagulhas, capaz de incendiar florestas com um único bafo.

Minhas pernas trepidam, enquanto meu coração flui rios de sangue ao meu corpo que, emudecido, ignora tão grande esforço.

Minhas mãos frias, repetidamente, esfregam-se uma à outra, procurando uma leve mornidão para aquecê-las e acalmá-las.

Meu peito aperta sufocando-me como alguém que, ao finalizar o nó de seu cadarço, prepara-se para uma longa caminhada.

Falta-me ar, as minhas forças mergulham em busca de refrigério; o sonhado refrigério de uma presa sufocada por seu predador.

Por mais que sejam mínimas as chances de sobrevivência, meus pulmões exaurem o desesperado suspiro; o derradeiro suspiro:

- Senhor! Perdoa-me!

Estou me olhando por dentro.