"Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões é que se ama verdadeiramente" (Clarice Lispector).







segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A rua da minha saudade

Revi, senti, e vivi. O passado intocável que traz aos olhos a primícia das lágrimas. Novamente pisei sobre o solo sagrado de minha infância que, outrora, meus pequenos pés correram, escorregam, toparam. Suspirei profundamente para buscar o frescor da mata serrada, cortada, esmagada pelos passos afoitos daqueles que brincavam como se as horas não existissem. Vieram à tona as alegrias de minha tenra idade: os muros, as casas, as árvores, a rua.

Lembrei-me das goiabeiras lotadas de seus suculentos frutos avermelhados que, como quem acenasse, convidava todos para uma empolgante reunião pendurados em seus longos galhos. Lembrei-me do assombroso bambuzal ao lado da rodovia, o qual crescia vertiginosamente ao som dos muitos carros, motos e caminhões. Lembrei-me do puçá, da vara, da tarrafa que, jogada às águas barrentas do riozinho, esperava por mais uma pobre e atordoada Traíra. Lembrei-me do campinho, o palco dos clássicos, dos chutes, das cabeçadas, e claro, dos tapas e arranhões. Lembrei-me do trepidar da lenha na fogueira inflamada com o mais alto fogo; fogo que aquecia e abraçava a todos nas noites frias de São João.

Meus olhos brilham e meu coração enfraquece ao revisitar momentos intocáveis como estes.

O mesmo pó que pairava sob a frenética corrida de bicicletas, ao ensurdecedor barulho de tampas de margarinas em suas rodas, ainda hoje, mancham portas, janelas, e portões. Lembrei-me das partidas de futebol, disputadas com suas respectivas traves feitas com chinelos havaianas desgastados. Descalços, em meio a cacos e pedras, a alegria inundava toda vizinhança. Os portões e muros tornavam-se arquibancadas, onde os curiosos pais, mães, tios e tias, apreciavam nossas jogadas. E nós, os meninos sem vanglórias e prepotências; com camisa ou sem camisa, suávamos em busca dos aplausos bajuladores daqueles que nos assistiam; pudera eu voltar no tempo.

Se houvesse possibilidade, pediria este presente a Deus: voltar e rever meus amigos, ainda pequenos, na rua da minha saudade, na estação da minha infância, na sublime e leve vida de menino. Vestiria novamente minha bermuda, meu boné, meu kichute. Berraria novamente o nome de todos os meus amigos em seus respectivos portões, anunciando a brincadeira do dia. Subiria novamente em minha pequena bicicleta vermelha, e com meus lábios, balbuciaria arrancadas, freadas, buzinadas e emoções:

- ACELEEEERA AYRTON!

Repetiria tudo de novo. Brigaria novamente e fugiria novamente, tendo a certeza que o sono noturno levaria para longe toda e qualquer raiva de nossos corações. Pela manhã, nossa amizade continuaria a mesma.

As profundas e irreparáveis cicatrizes de minha infância, ainda inflamam de saudade de todos aqueles pequenos. Em meio às dores destas lembranças, flambado em mornas lágrimas, compreendo e aprecio as palavras do saudosista cantor que, ao som de sua chorosa viola, poetiza: “A saudade é uma estrada longa / que começa e não tem mais fim / suas léguas dão volta ao mundo / mas não voltam por onde vim / A saudade é uma estrada longa / que hoje passa dentro de mim / me armei só de esperança / mas usei balas de festim.

Um comentário:

Anônimo disse...
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